terça-feira, 12 de outubro de 2010

Adrenalina pura, romantismo nem tanto. Condolências, mas paixão é doença e saúde é o que interessa"

Tem de ser com paixão? Pede olhos marejados, tremelique nas pernas, joelhos fracos, coração arrítmico, ser surpeendido, tornar-se refém, não conseguir se desvencilhar de braços. Experimente um sequestro relâmpago, a emoção é tal qual.
Sem paixão não rola? Não admite uma relação sem devaneios, o sentimento deve ser perturbador, repleto de vertigem e acontecimentos síncopes. Anseia enlouquecer, viciar, pular de olhos fechados, andar nas nuvens, ouvir vozes do além recitando poeminhas de amor do Shakespeare. O barato da cocaína é o mesmo, ouvi dizer.
Não abre mão de paixão? Deseja rir sem motivo, sentir dor no silêncio, que partidas recolham a paz, a ansiedade do reencontro torture, a ausência esgane o miocárdio. Talvez seja um troço chamado síndrome do pânico com nuances de transtorno bipolar. Você está certo disto?
Quer uma vida de ventanias que leve a navegar correndo riscos, tendo de calar a respiração, sentindo na cara a brisa do mar, a cor do luar, numa viagem de descobertas em dissimuladas correntezas e doidas tempestades. Quem sabe um barquinho a motor no meio do Pacífico?
A paixão é mágica sim, e toda mágica pressupõe o ilusionismo. A paixão é o analgésico para o vazio da alma. E por falar em remédio, paixão é tida como patologia, caracterizada por uma liberação contínua de neurotransmissores estepes da carência de serotonina. Suscita o prazer admirativo, acometendo o apaixonado de falhas de raciocínio. Adrenalina pura, romantismo nem tanto. Condolências, paixão é doença e saúde é o que interessa.
Como colesterol, ela também possui o irmão benévolo. A paixão do tipo B. Não requer curativos ou tratamento medicamentoso. Pelo contrário, é gostoso e faz bem. Sem contra-indicação, reação alérgica ou efeito colateral. Evita lágrima, sangue ou leite derramado. Popularmente conhecida como "bem-te-quero" e transmitida por um bicho esquisito, raro e erradicado, segundo Zygmunt Bauman. Sem controle, também pode levar ao amor.
Gostar de alguém. Vide bula: sabe-se da existência de frieiras, piriri, fungo da unha, instabilidade de humor, coceira crônica no joelho esquerdo e foliculite na virilha, mas gosta-se ainda assim. Enxerga-se o rasgo na calcinha, o dente com feijão, o problema com o irmão, a incompetência em situar-se no mapa, a dificuldade em assumir um erro ou de explicar um sentimento. Não tem cura, gosta-se. Não ignora-se a batatinha com leite condensado, a insistência no "conviver juntos" apesar das intervenções professorais, a mania de futucar no nariz, esburacar o queijo Minas, tomar banho em câmera lenta. A afeição pelo Luciano Huck, a revista Caras, o carnaval de Salvador e os best-sellers do Augusto Cury. Gosta-se não por todas estas razões, mas apesar. A paixão Tipo B não hospeda projeções enganosas ou realidade virtual.
O amor, se tivesse um ministério próprio, adverteria: - Atenção! Gostar de uma pessoa como ela é, e ser gostado de volta, sem desfiguração de DNA em função de febres delirantes, pode levá-lo a contrair confluência mental devido ao tombo dos mecanismos de defesa. Ao persistirem os sintomas, o coração deverá ser consultado. Este os declara infectados pela Paixão Tipo B. Mais, os declara lúcidos, maduros e sortudos.

Um comentário:

  1. texto lindo e claro sempre pensei assim e nunca fui compreendida era chamada de coração de pedra, enfim alguém no mundo como eu que acha a paixão cega uma doença e o bem querer uma porta ao amor verdadeiro sadio.

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